A música como catarse: um artista português é arrastado por uma crise existencial devido aos problemas económicos do país. Suaves cascatas de eletrónica mostram-lhe o caminho para sair dela.
Há algo em Mira, un Lobo! que atinge o nervo poético de algumas das referências do nosso tempo: o blogger americano Kavit Sumud (“The Sights and Sounds”, “Indie Shuffle”) é inspirado por uma “complex electronica, cascading circadian rhythms … serotonin streams and dopamine dancefloors”. O blog inglês “Repeat Button” maravilha-se com as paisagens exuberantes que são “unbelievably, inexplicably, insanely intoxicating (…) synths so sublime I feel like maybe heaven is actually here on earth.”

De vez em quando, surge um disco que tem a capacidade de inspirar tais elogios. A grande arte nasce, muitas vezes, de tempos difíceis... e um esplendor celeste assim descrito é reflexo de uma vida em terra firme. O português Luís F. de Sousa conhece as difíceis realidades da vida: "Subjugados pela crise, desemprego e depressão, vivemos dormentes, escondidos debaixo dos nossos lençóis, à espera que o sono chegue para espantar ou adormecer as nossas preocupações. Mira, un Lobo! permite-se a sonhar, ainda que acordado, enfrentando as adversidades, distraído e despreocupado com toda e qualquer consequência."

Tal intensidade catártica espelha a influência de artistas como Sigur Rós, M83, Julianna Barwick, Sufjan Stevens ou Fever Ray. Para benefício deste álbum tão íntimo, de Sousa compôs, escreveu e gravou as músicas em casa, sozinho, livre de horários ou prazos. O que começou como um diário musical evoluiu inconscientemente num álbum de pleno direito. Com a conclusão do processo criativo, de Sousa chamou vários amigos talentosos para, segundo ele, "limar algumas arestas". Ricardo Fialho co-produziu o álbum, Carlos Costa colaborou nas guitarras e Eli Fernandes nas segundas vozes. Um convidado muito especial também teve uma participação neste disco: “Usei a voz do meu filho, de quando ainda era bebé, no tema que dá nome ao disco.”

Que melhor maneira de dar voz à inocência e a novos começos? Apesar das quase paralisantes incertezas do atual clima económico que atingiu Portugal duma forma tão visceral, o disco de Mira, un Lobo! transmite a esperança de que um futuro melhor pode não estar fora do nosso alcance se mantivermos a calma. Não tanto a fuga cega como perspetiva pragmática, mas destacando e potenciando a arte como fonte para o rejuvenescimento e reabastecimento pessoal.

Sim, o perigo existe (afinal de contas existe um Lobo à espreita) mas escusa o sobressalto ("Heart Beats Slow" é o título do álbum) e vê o lobo pela desarmante e bela criatura que é e não como a ameaça que simbolicamente representa.

Mira, un Lobo! despede-se no disco com uma introdução: "Não interessa onde estás. Coloca os auscultadores, fecha os olhos e deixa-te levar. "

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©2016 Tapete Records (TR337 / CD 123412)

01. Tramadol (4:45)
02. Newborn Killers (3:46)
03. Serotonin (4:42)
04. Suffocation (5:29)
05. Sliced Guitar (3:56)
06. We're Not Far (4:21)
07. Like Punching Glass (4:36)
08. Spaceman (3:28)
09. Heart Beats Slow (5:34)
10. Introduction
(5:01)